donna rita - na sua estante - maus

Vivemos em tempos estranhos, tempos de ódio. Falamos em democracia, mas temos certa dificuldade em aceitar opiniões diferentes. Vivemos a “futebolização” da política onde muitos se tornaram membros de torcidas organizadas, verdadeiros Hooligans. Nos agredimos verbalmente e fisicamente por causa de cores de camisas (lembrando que um partido não é dono da cor “vermelha” e que trajar “verde e amarelo” não significa estar necessariamente ao lado daqueles que querem o melhor para o Brasil…) Fiquei muito tempo quieto, me ausentando de grandes discussões, mas não aguento mais. A minha natureza política, da qual me orgulho muito, me obrigou a sair das sombras e a me posicionar nesse cenário tão instável, nesse Brasil tão delicado. Meu maior medo não vem da esquerda e nem da direita, lembrando que ambas fazem parte do processo natural da Democracia e esta exige rotatividade, revezamento entre os partidos políticos, desde que dentro da lei, dentro dos limites estabelecidos. O meu maior medo vem daquilo que considero mais baixo e nojento dentro da humanidade, ou seja, dentro de nós… O monstro fascista surge cada vez mais forte, e não sei em qual esquina ele pode me pegar.

E porque decidi me posicionar contra ideologias tão medíocres?
Por causa daquilo que é mais do que uma história em quadrinhos, por causa de MAUS. Nunca achei que um quadrinho fosse mexer tanto comigo. Que fosse fazer surgir em mim novamente a vontade de me manifestar. 
MAUS é mais do que uma HQ, é um documento histórico que retrata a Segunda Guerra Mundial do ponto de vista judeu. É muito comum estudarmos os grandes feitos, as grandes batalhas, os grandes nomes, os marcos da Segunda Guerra. Sabemos que foi um momento obscuro da humanidade, sabemos do terror que foram os campos de concentração, e ficamos horrorizados. Nos chocamos ao saber do que o ser humano é capaz.
Mas será que sabemos mesmo? Será que damos realmente a devida dimensão ao crime contra a humanidade que foi o Holocausto? 
Nesta HQ Artie Spielgeman, autor e uma das personagens da obra, tenta reconstruir a história de seu pai, um sobrevivente dos campos de concentração da Segunda Guerra. O enredo conta desde o encontro entre Vladek e Anja –  pai e mãe de Artie – até o momento em que conseguem a liberdade ao final da guerra. Entre um desentendimento e outro entre pai e filho, a história da sobrevivência é construída. O objetivo de Artie era construir uma obra fiel a tragédia que foi o holocausto. Um documento histórico, um relato diferente de todos os outros.
As passagens dentro dos campos de concentração são extremamente chocantes. Vladek sobreviveu somente graças a sua capacidade de se articular e sempre conseguir comida, a fim de negociar alguns “privilégios” dentro dos campos e por sua capacidade de se adaptar a qualquer tipo de trabalho que os alemães necessitassem. Muitas personagens que cruzam a vida de Vladek morreram da maneira mais absurda possível. Mas antes de morrer, tiveram seus espíritos estraçalhados.
donna rita - na sua estante - maus
Uma das passagens mais tristes, um ser humano reduzido a nada…
Pilhas de corpos, familiares assassinados a sangue frio (os alemães que matassem um número “x” de judeus nos campos conseguiam bônus como férias ou folgas), os famosos fornos de Aushwitz (responsáveis por queimar milhares de vidas), os chuveiros que na verdade eram câmaras de gás, torturas, polícia judia (judeus que achavam que conseguiriam benefícios ao denunciar e policiar outros judeus). É incrível como tudo é tão detalhado. Somente um sobrevivente, uma testemunha ocular poderia descrever com tamanha precisão os horrores de um campo de concentração.

E mesmo com o autor utilizando imagens de bichinhos o clima do quadrinho é extremamente tenso. O que me faz pensar que se utilizasse figuras humanas o leitor tivesse vontade de se matar ao final da leitura. É tenso, é triste, assim como o holocausto. Assim como é triste a história da humanidade.

Judeus foram representados como ratos acuados pelos gatos nazistas, não preciso explicar essa metáfora. Poloneses não judeus foram retratados como porcos, acredito pelo fato de terem sido retalhados pelos vários lados durante o conflito. Polônia sempre esteve na mira de alemães e soviéticos. Americanos retratados como cães até pela “rivalidade natural” entre cães e gatos.

Leia MAUS e tenha uma ideia do que o monstro fascista é capaz!
Após essa reflexão, retorno a minha indignação apresentada no início da postagem: Ciente de todos os horrores cometidos pelo holocausto, como um homem pode se orgulhar de seus atos fascistas e de sua defesa aos sistemas autoritários e ainda poder continuar agindo naturalmente e andando livremente sem responder por seus atos? Independente de “lados”, existem posturas que não devem ser apoiadas, nunca.
Isso me faz pensar em como nossa sociedade está doente ao achar isso tudo natural. Ou pior ainda, ver pessoas que tentam relativizar os fatos a fim de diminuir a culpa desse cidadão que não acredita em direitos humanos de nenhuma espécie. Que invoca torturadores – criaturas que não deveriam ser nem consideradas como seres humanos, mas o são, o que me assusta mais. Realmente vivemos em tempos sombrios…

“O monstro fascista é parecido com o Amnut do panteão egípcio, devora aos poucos as almas daqueles que carregam um certo sentimento de culpa.”

Repito: leiam MAUS, vale a pena.

donna rita - na sua estante - maus

Hitler não inventou e nem era o única nazista na Alemanha. Ele foi cercado por pessoas “de bem” que disseram sim ou simplesmente se omitiram…

Ficha técnica:

Título: Maus

Subtítulo: A História De um Sobrevivente

Texto: Art Spiegelman
Tradução: Antônio de Macedo Soares
Arte: Art Spiegelman
Capa: Art Spiegelman, Louise Fili
Editora: Companhia das Letras
Edição: 1
Ano: 2005
Idioma: Português
Especificações: Brochura | 296 páginas
Papel e impressão (miolo): Offset 120 g/m²
Peso: 580g
Dimensões: 225mm x 157mm